Com Maria a mulher entra para a História. Sim, para a História com H maiúsculo
Por Paul Tournier
No fim do ministério iniciado em Caná, alguns dias antes da Páscoa, acontece a unção em Betânia (Jo 12.1-8). Dessa vez é um diálogo sem palavras, entre Jesus e Maria, a irmã de Lázaro, o ressuscitado. Enquanto comia junto com os discípulos e talvez com outros convidados, “Maria, tomando uma libra de bálsamo de nardo puro, mui precioso, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com seus cabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume do bálsamo”. Uma cena de amor e esbanjamento tolo que suscita severas críticas, principalmente de Judas Iscariotes.
Como observa Françoise Dolto, Maria não é mais a menininha passiva, sentada aos pés de Jesus apenas escutando suas palavras. Tornou-se outra mulher, ativa, que age sem medo das reprovações dos homens. Acrescento que esta é a promoção da mulher: ela entra para a História. Sim, para a História com H maiúsculo. É portadora, por intuição, de uma mensagem essencial no momento mais decisivo de toda a História! E Jesus compreende sua mensagem: que a hora do sacrifício chegara. “Talvez sem que ela mesma se dê conta”, escreve Françoise Dolto, “Maria revela-lhe a morte próxima”. Jesus diz em voz alta: “Deixem Maria em paz, ela guardou este perfume para o dia do meu sepultamento”.
Há uma outra citação conhecida sobre perfume (Lc 7.36-50). Françoise Dolto as compara: “Essas duas mulheres exprimem amor dessa maneira. Jesus recebe a homenagem da sensibilidade dessas mulheres que, por amor, se entregam e se arriscam à crítica dos outros”. Mas compara também ao acontecimento de Caná: “Da mesma forma que Maria, sua mãe, revelara a hora pública de Jesus, é possível que Maria de Betânia, por meio do perfume, tenha revelado, por amor e intuição, a hora de ele morrer”.
Podemos ver que a ideia de uma missão da mulher ganha nova e profunda dimensão. Não se trata mais de mulheres que escutam a Jesus – e o compreendem melhor que muitos homens –, mas de mulheres que Jesus escuta verdadeira e intensamente, de quem acolhe a mensagem até mesmo como uma revelação da vontade do Pai. Jesus aceita, nos momentos decisivos, deixar-se conduzir pelo caminho que elas lhe apontam.